I
Mal chego ao bairro, vejo os putos a
cabriolarem à minha volta. Ora,já sei, querem uma foto. Tudo bem. Já as
mulheres dão a entender pouco se importarem que aponte a câmara para elas. Não
será bem como digo, pois uma há que procura ocultar-se atrás de outra. Quanto
aos homens é notório reagirem com desconfiança à minha presença. Para a próxima
hão de demonstrar mais abertura. Mas o que me agrada ver é aquele velho sentado
numa cadeira trazida da sala de jantar para o exterior da casa. Todo de preto e
com um chapéu de feltro dá uma boa foto. E se me abeirasse de si? Assim, mais
de perto, fica a sensação de estar a posar para o bairro inteiro, com uma
expressão própria de quem faz parte duma figura emoldurada na parede duma casa
antiga.
- Diga-me,
posso tirar-lhe uma foto?
A resposta é um surdo e monossilábico sim,
com o abanar da cabeça. Pois basta um clique e já está! Ao mesmo tempo, os putos entregues às suas
brincadeiras ignoram-me. Ainda bem! Quanto às mulheres, gesticulam e falam sem
que deslinde uma única palavra. Então, trato e as fixar com a objetiva, de
igual modo que os pombos da rua pousam na minha varanda da frente. Como se
aquele ato fosse a coisa mais natural do mundo, e não é!
Entretanto, o dia adianta-se e começo a
pensar nas duas horas que ainda levo para voltar a casa. Já agora, ao
despedir-me convém tratar todos por vizinhos e não por amigos, evitando deste
modo alguma observação do género:
-
Então, donde nos conhecemos?!
Pois aqui vai uma cordial saudação,
extensiva aos moradores de quem nunca vi a cara. Sei é que ainda hoje cuidarei
de processar a película no improvisado laboratório instalado na cave e produzir
umas tantas cópias para ofertas. E tão cedo quanto antes, que o mundo acelera
mais do que eu ao volante.
II
E olha como o velho ficou mesmo a matar na
foto! Seguramente que vai gostar de se rever nela. Afinal, mostra-se na imagem
como na vida: sem mexer uma ruga nem pestanejar! Quanto aos putos, o trabalho que
me deu a selecionar as melhores imagens. E há aqui alguns retratos das mulheres
que hão de merecer o devido apreço. Sem
dúvida! O que estranho, é tão repentinamente chamarem os putos quando me viram
a aproximar! Que lobo anda por aqui à solta que eu não vislumbre? E que razão
há para pregarem os olhos ao chão? Ora, algo se passa, mas o quê? Porém, seja o
que for, não abandono um dos propósitos que me fez vir, de novo, ao bairro: a
distribuição das fotos pelas pessoas. E é nesse preciso instante que a mulher
da blusa às flores cor-de-rosa sobre fundo azul escuro se faz ouvir entre as
demais:
- Veem
como o homem nada tem que se lhe aponte?
O quê?! Com que então houve quem me
tomasse por um agente à paisana, pertencendo ao corpo de intervenção policial
que acabaria por efetuar uma musculada operação no bairro?! Posso lá crer!
- E
não é que, em chegados ao pé de nós, levaram tudo à frente! Nem as portas das
casas pouparam, deixando as crianças num grande berreiro. Só visto!
Apenas faltava esclarecer a ausência do
patriarca que uma semana antes encontrara sentado na cadeira da sala de jantar
trazida para o exterior.
- Será
que estaria a dormir a sesta?
- Sim,
desde há três dias. E para sempre, ó vizinho.
Agora esse retrato - interpõe a mulher da
blusa florida - havia de ficar bem era na sua campa!