sábado, 29 de julho de 2017

Os Gatos Pretos, Brancos e Amarelos

Texto dedicado ao meu amigo Luís Graça




De tão densa a floresta, mal o sol penetra. Escura como a galeria funda de uma mina. Húmida e lúgubre, por vezes, apavora!
E que dizer dos ramos e mais ramos espinhosos que nos rasgam a pele? Das ardilosas covas abertas, pelas quais se pode desaparecer para sempre? Das ciladas dos animais? Sobretudo dos gatos brancos, pretos e amarelos que, eriçados, soltam mios e mostram as garras, quando não se ocultam atrás dos troncos, das pedras e da folhagem. Os que nunca se abstêm de espiar, tanto os nossos gestos, como as nossas falas caladas.
Mesmo assim, não desistimos de cantarolar uma letra infantil que conta a história de um cão felpudo e sem abrigo, abandonado pelo seu dono por um amor havido a uma mulher… E enquanto os mochos, nas copas das árvores, piam, piam incansavelmente, lembrando viúvas a chorar, nós continuamos adiante, sem evitar os espinhos mais agudos, que nos deixam a sangrar. Mas por muito exânimes, voltamos a repetir cada vez mais alto a cantilena, onde entra a história do cão abandonado… sem que alguma vez os gatos pretos, brancos e amarelos nos percam de vista e, eriçados, mostrem as garras e espiem, espiem….
Apenas a memória do sol nos ilumina um pouco. A estrela que ainda mantém as suas marcas no nosso corpo, sobretudo nas mãos humedecidas, a fecharem-se e a abrirem-se, instintivamente, detendo e largando as ambições de outrora….
Só bem mais tarde, a inesperada clareira de um extenso lago, acaba por nos obrigar a interromper a marcha. E é, então, aí que os gatos  pretos, brancos e amarelos, quais guardiões do fogo do inferno, logo se dispõem em volta, tornando impossível romper com aquele anel odioso de felinos! Apenas nos resta a oportunidade de matar a sede e quase fazer ruir o céu, ao cantarmos, de novo, a história aprendida na nossa infância.
Impensável é que, nesse instante, os gatos pretos, brancos  e amarelos, fossem levados a distender as patas dianteiras, recolher as garras, inclinar as cabeças redondas, deixando-se, por fim, adormecer…
                         Quartel de Penafiel, 24- 10 - 1968