Texto dedicado ao meu amigo Luís Graça
De tão densa a floresta, mal o sol penetra. Escura como a galeria funda de uma mina. Húmida e lúgubre, por vezes, apavora!
E
que dizer dos ramos e mais ramos espinhosos que nos rasgam a pele? Das
ardilosas covas abertas, pelas quais se pode desaparecer para sempre? Das
ciladas dos animais? Sobretudo dos gatos brancos, pretos e amarelos que,
eriçados, soltam mios e mostram as garras, quando não se ocultam atrás dos
troncos, das pedras e da folhagem. Os que nunca se abstêm de espiar, tanto os
nossos gestos, como as nossas falas caladas.
Mesmo
assim, não desistimos de cantarolar uma letra infantil que conta a história de
um cão felpudo e sem abrigo, abandonado pelo seu dono por um amor havido a uma
mulher… E enquanto os mochos, nas copas das árvores, piam, piam
incansavelmente, lembrando viúvas a chorar, nós continuamos adiante, sem evitar
os espinhos mais agudos, que nos deixam a sangrar. Mas por muito exânimes, voltamos a repetir cada vez mais alto a
cantilena, onde entra a história do cão abandonado… sem que alguma vez os gatos
pretos, brancos e amarelos nos percam de vista e, eriçados, mostrem as garras e
espiem, espiem….
Apenas
a memória do sol nos ilumina um pouco. A estrela que ainda mantém as suas
marcas no nosso corpo, sobretudo nas mãos humedecidas, a fecharem-se e a
abrirem-se, instintivamente, detendo e largando as ambições de outrora….
Só
bem mais tarde, a inesperada clareira de um extenso lago, acaba por nos obrigar
a interromper a marcha. E é, então, aí que os gatos pretos, brancos e amarelos,
quais guardiões do fogo do inferno, logo se dispõem em volta, tornando
impossível romper com aquele anel odioso de felinos! Apenas nos resta a oportunidade
de matar a sede e quase fazer ruir o céu, ao cantarmos, de novo, a história aprendida
na nossa infância.
Impensável
é que, nesse instante, os gatos pretos, brancos e amarelos, fossem levados a distender
as patas dianteiras, recolher as garras, inclinar as cabeças redondas, deixando-se,
por fim, adormecer…
Quartel de Penafiel,
24- 10 - 1968
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