terça-feira, 15 de agosto de 2017

POEMATOS (8)



  Maré

O velho sofá
sentou-se na praia
para ver a lua cheia
a surdir do mar

só que a maré
ao chegar primeiro
e mais cheia que a lua
disse ao velho sofá:

de hoje em diante
deixo-te ficar sentado
 fora da praia
sem mim a boiar


                                                      
                                                                                                            Lisboa, 2013

POEMATOS (7)



Chevrolet
                                               
                                            

                             Olho para o Chevrolet
Lustroso e preto
Sem data na chapa
De matrícula

Os dois faróis
Quase humanos
Que me fixam
Da cabeça aos pés

Os cromados sem poeira
Ou poros corrosivos
Que brilham
Quais puros cristais

E rodo à sua volta
Como quem ensaia
Uns passos de valsa
Colado a uma mulher

Até que estaco adiante
Do meu retrato
Emoldurado no retrovisor
Sem pixels, a rir,

Por me ver apeado
Sem parecença alguma
Com o Álvaro ao volante
Do chevrolet emprestado


                                                                   Lisboa, julho, 2014

POEMATOS (6)

   
  Exceção


É com os cotovelos
apoiados no vão da janela
que celebro a entrada de maio.

E saúdo o rapaz da bicicleta
suando, triunfante,
ao cortar a meta.

A vizinha que, à passagem
de cada avião,
sonha em voar alto.

O velho, outrora
praticante de judo e remo,
que não dispensa
o amparo das muletas.

E saúdo o meu neto
que, a passo acelerado,
dobra a esquina
e sobe ao meu andar
para me dar um beijo
e ligar a playstation

A rapariga amuada,
pelo namorado
a ter trocado por outra
menos anafada

Saúdo a Rosa
com uma doença
cujo nome
ninguém sabe qual seja.

E saúdo esta, aquela
outra e outra pessoa,
todas conhecidas minhas
quando as vejo passar.

Sequer a minha própria
sombra ignoro,
para me sentir em companhia
e com quem falar.

Só não saúdo a tua resposta 
há cem anos por dar.

                                                                   Lisboa, Maio,2014

POEMATOS ( 5)



Rapaz!


Fecha a porta
Trás as chaves
Põe o chapéu
Desliga o gás

Apanha o papel
Diz olá
Anda para corre
Acorda dorme

Toma larga
Fala cala
Veste despe
Não e não

 Mas que puta 
De vida
É esta?

                                                                            Lisboa, Outubro, 2014

POEMATOS ( 4 )


O meu chapéu  

e celebro a vaca cor de chocolate
que antes de desossada esquartejada e limpa
ruminava relva trevos e raros espargos
nos verdes lameiros do barroso

uma fêmea bovina completa e genuína
de manso coração alma cristã e duros cascos
que a nunca ter dado em vida nada ao mundo
salvo cântaros de leite e uns quantos bezerros

me deixou a pele do chapéu que faz de mim
outro homem bem mais alto do que sou
com ar de caubói mas sem coldres à cintura
nem boiada em Lisboa sempre apeado.


                                                         Lisboa, Dezembro,2014