sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

9 de Dezembro (2014)


  

   
       É a 9 de dezembro de 2014 que faço anos. Mas o meu vizinho, sem ver a diferença que uma data pode significar na idade de um homem, limitou-se à saudação do costume:

                      - Boa tarde e até amanhã se deus quiser”
     
     Como se o dia fosse radiante,  o futuro certo e eu acreditasse na providência!

                     - Adeus, sr. costa!
      
     Retribuí eu, enquanto avesso a simpatias de vão de escada logo me pus, de degrau em degrau, a dar os parabéns a mim mesmo.

    Como se a cada passo, outra pessoa houvesse a cruzar-se comigo e a festejar o meu aniversário...

       E bem grande foi o  cansaço até chegar às  águas furtadas para logo me recostar no velho sofá. Por sinal ainda mais gasto do que eu!

                                                                                                                                    2014

Tal como Afonso Duarte (2013)

E é no 28 que  chego à graça por ter tudo que eu quero
a leitura à borla das manchetes expostas no quiosque
o bilhete de lotaria para jogar à minha sorte
a cremosa bola de berlim  que me traz à lembrança o makarek
do mário henrique leiria a entrar numa pastelaria
o botequim da açoriana natália já sem a natália
a pedir-me o isqueiro para lhe acender a boquilha
a tasca do joão minhoto onde lasco o melhor bacalhau da noruega
e um rés do chão onde bebo uns copos pela noite adentro enquanto ouço
o júlio vadio a gemer um fado mais vadio do que ele
e me encontro com aquela rapariga cujo nome não recordo
a que queria publicar-me um livro de versos com rimas brancas
e pouco mais do que sofríveis antes de ter o primeiro filho
ou a luísa que me arranca o coração sem nunca ficar com ele
quando o meu coração até poderia servir para alguma coisa.


e é na graça que eu tenho o maior número de encontros ocasionais
com o arrumador de carros que é galego e por me ver
sempe a penates nunca me leva um  chavo 
o taxista reformado sentado no banco do jardim
como se ainda andasse a conduzir por lisboa ao volante
o carteirista anafado e pulha que cospe no passeio
e se faz passar por turista com uma câmara digital a tiracolo
sem esquecer o meu mais especial encontro comigo mesmo
a remoer uma ideia qualquer que não leva a algum lado 
onde já não tenha estado e depois uma emoção quase sempre dispensável
por ter deparado com um pombo de rua incapaz de voar
ou sem ter visto pombo algum não deixar de o imaginar
ideias mais emoções iguais às quinquilharias de uma loja em trespasse.


mas é o bairro da graça a aldeia mais portuguesa
que há em todas as colinas de lisboa em que se embarca
só de olhar para o tejo a partir do miradouro da senhora do monte
ponto onde gostaria  ser feliz acaso alguma vez a vida previsse
alguém ser isso fosse de que terra fosse
e é a graça o lugar já o disse que tem tudo o que eu quero
ou a faltar-me alguma coisa seria muito pouco
talvez um coreto com uma banda sempre a tocar
e  o bafo quente da vaca que dava leite
não me lembro bem em que esquina e ainda o amigo
que foi à minha frente uma semana depois de ter comparado
as suas análises clínicas mais promissoras que as minhas
por fim  a namorada primeira que por sinal nunca conheceu a graça
nem  foi o meu maior amor salvo quando a cortejava

mas isso são memórias e eu dou-me melhor
com o presente e o dia seguinte tal como  afonso duarte
que dizia sobre o passado ser sempre um resto, 
ou, pior, uma falta de saúde, e depois não é na Graça
que se envelhece mais devagar e menos se morre?

(2013)