E é no 28 que chego à graça por ter tudo que eu quero
a leitura à borla das manchetes expostas no quiosque
o bilhete de lotaria para jogar à minha sorte
a cremosa bola de berlim que me traz à lembrança o makarek
do mário henrique leiria a entrar numa pastelaria
o botequim da açoriana natália já sem a natália
a pedir-me o isqueiro para lhe acender a boquilha
a tasca do joão minhoto onde lasco o melhor bacalhau da noruega
e um rés do chão onde bebo uns copos pela noite adentro enquanto ouço
o júlio vadio a gemer um fado mais vadio do que ele
e me encontro com aquela rapariga cujo nome não recordo
a que queria publicar-me um livro de versos com rimas brancas
e pouco mais do que sofríveis antes de ter o primeiro filho
ou a luísa que me arranca o coração sem nunca ficar com ele
quando o meu coração até poderia servir para alguma coisa.
e é na graça que eu tenho o maior número de encontros ocasionais
com o arrumador de carros que é galego e por me ver
sempe a penates nunca me leva um chavo
o taxista reformado sentado no banco do jardim
como se ainda andasse a conduzir por lisboa ao volante
o carteirista anafado e pulha que cospe no passeio
e se faz passar por turista com uma câmara digital a tiracolo
sem esquecer o meu mais especial encontro comigo mesmo
a remoer uma ideia qualquer que não leva a algum lado
onde já não tenha estado e depois uma emoção quase sempre dispensável
por ter deparado com um pombo de rua incapaz de voar
ou sem ter visto pombo algum não deixar de o imaginar
ideias mais emoções iguais às quinquilharias de uma loja em trespasse.
mas é o bairro da graça a aldeia mais portuguesa
que há em todas as colinas de lisboa em que se embarca
só de olhar para o tejo a partir do miradouro da senhora do monte
ponto onde gostaria ser feliz acaso alguma vez a vida previsse
alguém ser isso fosse de que terra fosse
e é a graça o lugar já o disse que tem tudo o que eu quero
ou a faltar-me alguma coisa seria muito pouco
talvez um coreto com uma banda sempre a tocar
e o bafo quente da vaca que dava leite
não me lembro bem em que esquina e ainda o amigo
que foi à minha frente uma semana depois de ter comparado
as suas análises clínicas mais promissoras que as minhas
por fim a namorada primeira que por sinal nunca conheceu a graça
nem foi o meu maior amor salvo quando a cortejava
mas isso são memórias e eu dou-me melhor
com o presente e o dia seguinte tal como afonso duarte
que dizia sobre o passado ser sempre um resto,
ou, pior, uma falta de saúde, e depois não é na Graça
que se envelhece mais devagar e menos se morre?
(2013)
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bela recuperação, cheia de Graça ;_)))
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