terça-feira, 22 de novembro de 2016

Coisas para meter medo aos pássaros



Uns eram moços sadios. Outros, já adultos, um pouco "loucos", mas ainda com tino bastante para afugentarem os pardais que vinham  ao grão dos lavradores.

Então, corriam de braços abertos, apanhando aqui e ali pedras do chão que logo arremessavam contra os intrusos, aos gritos como numa zanga a sério, enquanto os chocalhos, amarrados à cintura, a par de outros penduricalhos de ferro ou latão, se faziam ouvir em redor.
 
Espanta-pássaros de carne e osso, está visto, que  procuravam evitar a rapinagem do pão nas searas do Alentejo, e  que apenas são relembrados por alguns velhos… 

Hoje, contam-se os espantalhos que restam nas hortas e pomares, não passando de uns esqueletos quase sempre masculinos, envoltos em palha e trapos velhos, almofadados com uma blusa, camisola, algum casacão esburacado. 

Quando não se restringem à configuração de meras silhuetas humanas, recortadas á serra numa tábua de madeira, ou esculpidas a partir de um espesso e leve bloco de esferovite.

Sim, porque um único ramo implantado na terra, donde se suspende uma saia rota, um colorido saco de plástico, ou o testo de uma panela, não pode ser tomado como um verdadeiro espantalho, apesar de, à mais ligeira deslocação do ar, a pendureza se agitar, provocar ruído, soar a alarme….
 
Quanto a mim, estes simples engenhos mais não são do que meros símbolos hasteados, significando qualquer linguagem obscura, instrumentos mágicos contra o mau olhado; expedientes usados para fazerem recair sobre alguém uma maldição, um mau feitiço, não sei!...

Mas para o Zé da Bica, que trabalha numa oficina de mecânica de automóveis, e aos fins de semana cuida de uma pequena parcela de terra na região saloia, não lhe resta qualquer dúvida:

" sejam o que forem,  são coisas para meter medo aos pássaros! "


 in Notícias Magazine, Novembro,1998 ( texto e fotos do autor)

Sem comentários:

Enviar um comentário