Paredes
Infetadas
Mal os
fantasmas de sempre começaram a deslizar pela casa, logo decidiu telefonar ao
psicanalista.
“ Não me
diga que está, de novo, com as paredes infetadas?”, inquiriu o médico a partir
de um consultório nas Avenidas Novas.
“É verdade”,
confirmou o paciente, num tom de canino aflito, abandonado pelo dono. E,
depois:
“São os monstros do costume! Estas hediondas
criaturas, que só podem ter sido fecundados pelo sémen de um demónio e paridos
pela cabra de uma bruxa.“
“Quer-me parecer
ter deixado mais uma vez de tomar os medicamentos!.” Exclamou o médico.
Porém, a
resposta veio no desligar instantâneo do telefone…
“ Isto ainda
corre mal” Disse para si mesmo, enquanto o paciente, do outro lado da linha, se
aninhava no sofá, obstinado em manter
as pálpebras cerradas até ao fim do dia,
evitando assim a visão dos fantasmas a deslizarem, espalmados, pelas paredes...
Em chegada a
noite, na varanda, o céu carregado de trevas, baço como uma albufeira de água
estagnada, parecia na iminência de desabar sobre ele. Nada irradiava, sequer a
mais ténue faúlha de uma estrela!...
Só quando
deparou com aquele extenso rasto cintilante projetado pelos faróis das
viaturas, ao fundo do prédio, perdeu a
respiração: nunca a via látea estivera tão ao seu alcance!
Bastaria
curvar-se, estender um braço e acabaria por agarrar uma estrela errante. Senão
mesmo uma braçada delas, a fantasia de uma constelação! Talvez a Cassiopeia ou a Ursa Maior.
Não importa.
No instante seguinte, haveria de decidir-se por qual!
Lisboa, Agosto, 2016
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