sábado, 21 de outubro de 2017

Bela, a florista




                                                                             À memória de Raúl Brandão.


Enquanto um grita e outro geme, os demais soluçam e sussurram, intentando mesmo alguns soerguer a cabeça ou estender tremulamente uma mão como quem esmola. Na verdade, raros são os que se mantêm anestesiados para todo o sempre, sem reclamarem a coroa, a palma, o mais singelo ramo encomendado na véspera.

E é aí que Bela, a florista, acorda sobressaltada a meio da noite e, com o coração a sair-lhe do peito, logo desce à cave da loja para confirmar se os arranjos estão lá, confecionados de acordo com as indicações dadas pelos clientes: as rosas dobradas e brancas, os lírios roxos, as giribérias, os antúrios, os crisântemos...

Porém, as piores noites acontecem quando, de regresso à cama, as súplicas não deixam de se ouvir até ao raiar da manhã. É de enlouquecer!

                                                                       Lisboa, 26 de março, 2015

1 comentário:

  1. «À memória de Raúl Brandão.», eis o retinir (que não a campainha d"O Mandarim") capaz de voltear a liça: oportuna, será sempre a homenagem, bem merecida, mas o volteio dos "flashes", mais acima, melhor os compreenderia embebidos no inovador lirismo pré-surrealista do Escritor portista, mas a nossa Bela florista existencialista dirá, certamente e a seu tempo, de sua encantadora Justiça!

    ;_)))

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