sábado, 21 de outubro de 2017

O Filme



                                                                 à Marga

De repente, gritava-se : “está na hora!”, sempre que o filme tardava em arrancar ou já iniciado perdia de súbito o pio. Então, clamava-se em uníssono: “olha o sonoro, olha o sonoro!”, enquanto o teto parecia desabar a todo o momento, com o estrondoso sapateado que se alastrava por toda a sala.

Mesmo os começados à hora prevista demoravam demais,  tal a ansiedade de ver as primeiras imagens exibidas no ecrã. E redundantes eram aqueles dois ou três segundos ocupados com o título, que todos sabiam ao que iam!

Sequer eram reprimidos uns estridentes assobios quando, na altura da projeção, os fusíveis pifavam ou a película dava o berro, rompendo-se por motivos óbvios: a cena do beijo ser demasiado escaldante, o tiro não atingir o artista principal por uma unha negra, qualquer outra imagem envolvendo um maior suspense...

Sob o efeito da atmosfera inerente ao filme - aquilo era mais do que a sério - gerava-se então um atropelar de emoções exteriorizadas em incontidos óis, uis e ais exclamativos associados a instantâneos e elétricos saltos na cadeira, esgares e esperneares; suores, tremores, tudo nervos...

Naqueles recuados tempos, pouco mais éramos do que umas incautas marionetas acionadas por caprichosos e intocáveis deuses da sétima arte!

Hoje, quando me recosto no cinema desnervado do meu Bairro e ao som ruminante das pipocas, nem sempre fixo os olhos na tela, antes escolhendo seguir o filme que se revela na câmara escura do meu ser:

a três dimensões e a cores, a que não falta um fundo musical, sem legendas, onde contracenam apenas dois atores: tu e eu!


                                                                              Lisboa, 26 de abril, 2015

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