à Marga
De repente, gritava-se : “está na hora!”, sempre que o
filme tardava em arrancar ou já
iniciado perdia de súbito o pio. Então, clamava-se em uníssono: “olha o sonoro,
olha o sonoro!”, enquanto o teto parecia desabar a todo o momento, com o
estrondoso sapateado que se alastrava por toda a sala.
Mesmo os começados à hora prevista demoravam demais,
tal a ansiedade de ver as primeiras imagens exibidas no ecrã. E redundantes
eram aqueles dois ou três segundos ocupados com o título, que todos sabiam ao
que iam!
Sequer eram reprimidos uns estridentes assobios
quando, na altura da projeção, os fusíveis pifavam ou a película dava o berro,
rompendo-se por motivos óbvios: a cena do beijo ser demasiado escaldante, o
tiro não atingir o artista principal por uma unha negra, qualquer outra imagem envolvendo
um maior suspense...
Sob o efeito da atmosfera inerente ao filme - aquilo
era mais do que a sério - gerava-se então um atropelar de emoções exteriorizadas
em incontidos óis, uis e ais
exclamativos associados a instantâneos e elétricos saltos na cadeira, esgares e
esperneares; suores, tremores, tudo nervos...
Naqueles recuados tempos, pouco mais éramos do que
umas incautas marionetas acionadas por caprichosos e intocáveis deuses da
sétima arte!
Hoje, quando me recosto no cinema desnervado do meu
Bairro e ao som ruminante das pipocas, nem sempre fixo os olhos na tela,
antes escolhendo seguir o filme que se revela na câmara escura do meu ser:
a três dimensões e a cores, a que não falta um fundo
musical, sem legendas, onde contracenam apenas dois atores: tu e eu!
Lisboa, 26 de abril, 2015
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